quinta-feira, 20 de maio de 2010

Capítulo II

Ele abriu a porta do bar, mas a menina estava parada na calçada, então ele se voltou sem entender.
- O que foi? – Carlo Vitor.
- Precisamos entrar em um acordo agora. – Raquel Maria.
- Então vamos fazer isso aqui dentro.
Entraram no bar aberto, porém apenas para expediente interno, sem movimento durante o dia. Um homem barrigudo surgiu por trás do balcão.
- Ei Carlo ¿Que te pongo? – Paolo.
- ¡Una tequila, mano! – Carlo Vitor.
- ¿Y la niña?
- O que vai querer Raquel?
- Licor de chocolate com mel. – Raquel Maria.
Paolo encara Carlo com as sobrancelhas arqueadas.
- ¡Mira leche a ella! – Carlo Vitor.
- Não quero leite. – Raquel Maria.
- Un zuco o un refri a ella.
- Quero lícor.
- Olha, eu não vou deixá-la beber comida alcoólica.
- Não vai me impedir.
Raquel Maria e Carlo se encararam.
- Então, o que via querer? – Carlo Vitor.
- Não vai beber álcool. – Raquel Maria.
- Fala sério. Olha, não vai me impedir.
Ele levantou o copo em direção à boca e Raquel subiu no balcão arrancando o copo das mãos do pai.
- Raquel Maria, pare com isso. – Carlo Vitor.
- Eu o impedi. – Raquel Maria.
- Ótimo, agora me devolve esse copo.
- Não vai beber.
- Raquel Maria Andreas...
- Quem você é para me impedir?
- Eu sou o seu pai. Agora pare com isso!
- ¿Ella es su hija? – Paolo.
- Sim.
- Não é grande coisa que seja o meu pai. – Raquel Maria.
- Raquel Maria Andreas Miranda, pare, agora!
- Não há porque o seu sobrenome!
Raquel torceu as sobrancelhas jogando sobre o pai antes de descer. Paolo ria com seus copos sendo limpos. Ela dirigiu-se a sua mochila e baixou a cabeça nos braços. Antes que esperasse estava adormecida, sem que notassem.
- Essa menina não vai ser fácil. – Carlo Vitor.
- ¿Ella es mesmo su hija? – Paolo.
- Sim Paolo. Mercedes Andreas morreu ontem, e deixou essa maravilha comigo, de lembrança.
- ¿Quedará con ella?
- Claro! Não deixa de ser a minha filha.
- ¿Conocia ella?
- Sim, mas... Mercedes e eu nunca nos damos muito bem...
- ¿Ella no quedaste tu conocer su hija?
- Eu a vi, quando muito pequena.
- Bien, es mejor llevala al apartamento, tu cambiar esa ropa y ir a tabajar. Su hora apretase.
- Nossa, é verdade!
Ele olhou o relógio na parede comparando com o que havia em seu pulso.
- Vamos Raquel. Raquel Maria... O que há com você agora? – Carlo Vitor.
Ele foi até a menina, balançando-a de leve.
- Essa é boa, ela acabou dormindo. – Carlo Vitor.

domingo, 16 de maio de 2010

Capítulo I – Raquel Maria Andreas Miranda.

Havia três coisas que Mercedes Andreas havia ensinado a Raquel Maria Andreas. Jogar cartas, não chorar e, recentemente, que cigarro matava. O primeiro para viver, o segundo para sobreviver e o segundo para morrer. Também havia duas coisas que Carlo Vitor Miranda ensinou a Raquel Maria. Superar ser ignorada.

Desde a morte de Carlos Miguel Andreas Júnior morrerá Raquel era a filha única, sendo assim desde os seus quatro anos quando Carlos Miguel, dez anos mais velho, fora assassinado. Raquel Maria sobreviveu com sua mãe por seis anos mais, quando Mercedes Andreas morreu de câncer pulmonar.

- Oi.

Raquel Maria limitou-se a dar uma olhada para o homem e voltar a vista para o caixão que descia na cova.

- Eu o conheço? – Raquel Maria.

- Sou o seu pai. – Carlo Vitor.

- Hum...

Ela não pareceu dar muita importância ao fato, mas percebeu ter desconcertado o homem que tentava dizer algo, mas sem saber bem o que.

- Acho que vi uma foto sua, certa vez. – Raquel Maria.

- Desculpe-me por não ter aparecido muito nos últimos... Anos. – Carlo Vitor.

- É, eu sei. Não foi nada, afinal... Não são importantes os primeiros anos de um ser humano que tem tanto a viver ainda.

- Escute, eu pedi desculpas, de coração. Posso fazer algo mais?

- Não, não pode. Já não há mais nada que eu queira que seja feito por você.

Carlo parou observando a menina tão adulta encarando-o. Os mesmos olhos grandes, o mesmo olhar profundo. Os olhos esperançosos e exigentes de Mercedes Andreas.

- Sua mãe parece ter dado a lição direitinho, hein. – Carlo Vitor.

- Fez o que pode, já que só ela podia me ensinar algo. – Raquel Maria.

- É, está bem.

Com Carlo dando-se por vencido eles contornaram o túmulo de Mercedes Andreas lançando um último olhar a sepultura antes de saírem do cemitério. Ninguém os acompanhava. O marido da falecida não foi vê-la, mandando um representante para o processo burocrático que envolvia os únicos presentes além de pai e filha. O pastor e o coveiro. Naquele dia chuvoso.

- Para onde vamos? – Raquel Maria.

- Vamos brindar à sua mãe. Ela merece, não é mesmo? – Carlo Vitor.

- Para onde vamos?

Ela buscava por uma resposta direta.

- Calma, está bem? Vamos ao restaurante, de um amigo, que fica aqui perto. – Carlo Vitor.

- Um bar. – Raquel Maria.

- É. É isso, um bar.

- Vou morar com você?

- Se quiser...

A falta de interesse foi o que ela percebeu na voz do pai, e só sabia ser sincera.

- Você nunca quis. – Raquel Maria.

- Eu não saberia cuidar de uma menina pequena. A sua mãe conseguiu. – Carlo Vitor.

- Por quê?

Ele acendeu um cigarro e o tragou.

- Ora, fumar, por exemplo. Fumar não é para garotas. – Carlo Vitor.

- Não penso assim. Mercedes fumava. – Raquel Maria.

Ela pegou o cigarro de entre os dedos dele e tragou, sem engasgar ou tossir. Ele não demorou a pegá-lo de volta.

- É, eu sei. E é por isso que ela está a sete palmos abaixo da terra. – Carlo Vitor.

- Eu sei. – Raquel Maria.

- Bem, você quer morar comigo ou não?

- Quero. Mas vamos precisar de algumas regras.

- Era o que eu ia dizer. E a primeira é nada de cigarros.

- Para mim ou para você? Não sou eu que estou viciada em nicotina. Além disso, Mercedes e eu tínhamos uma regra simples: tudo o que uma faz, a outra faz também, se quiser.

- Isso quer dizer que ela tomava leite no café da manhã?

- E eu ir dormir uma hora da manhã.

- Não haverá esse tipo de trato comigo.