quinta-feira, 17 de junho de 2010

Capítulo V

- Tenho certeza de que Mercedes está bem. Agora precisa descansar e amanhã te levarei à escola.

- Não quero ir para a escola. Você não sabe preparar o lanche e serei a única garota sem mãe, ou madrasta.

- Sua avó morreu há dois anos e minha mãe há muito tempo. Sua mãe e eu nunca deixamos de estudar.

- Você fica comigo, até eu dormir?

- Claro.

Carlo olhou Raquel adormecer aos poucos, a cada momento mais sonolenta.

- Carlo Vitor... – Raquel Maria.

- Sim querida. – Carlo Vitor.

- Você cuida de mim?

- Claro, todo o tempo. Cuidarei de você, sempre.

- Mercedes te chamava de chato, por sempre ter razão.

- Verdade?

- E que era verdade que você gostava muito de mim.

- Acho que ela estava certa.

Raquel Maria dormiu, finalmente, com Carlo Vitor alisando seus cachos negros. Após contemplá-la desce ao bar sem o movimento de final de semana por ser segunda-feira.

- Deus... Uma tequila Paolo. E tome. – Carlo.

- ¿Que esto, dinero adelantado? – Paolo.

- Raquel fez compras em seu nome, hoje.

- Hum... ¿Adentre nosotros, la niña es mismo su hija?

- Sim Paolo. A mãe dela é Mercedes, lembra dela?

- ¡Si, si! Muy bella cuando chica.

- É. Ela me enfeitiçou com aqueles olhos negros. Fiquei cego de amor ou... O que quer que fosse.

- Y por causa del que cerraran?

- Eu vi em tempo quem ela era. Mas a menina já estava pronta.

- ¿Por causa de que no miraba la niña?

- Mercedes não queria. Eu sempre ocupado, sem ter como cegar até Raquel Maria... Muitas coisas.

- ¡Yo sé, yo sé!

- É, mas eu sempre gostei da tampinha. Mercedes só me permitiu que eu a visse até completar cinco amos, quando o outro filho morreu.

- ¿Ella tenía otro hijo?

- Sim, de quatorze anos.

- ¿Esto era tuyo?

- Não, não. Mas eu também o registrei. O rapaz se meteu com as pessoas erradas e acabou assassinado. Mercedes é, era, meio confusa, irresponsável demais. Fico feliz em Raquel não ter seguido o mesmo caminho que o irmão, mas se convivessem algum tempo mais, com Mercedes também, ela teria se perdido, e eu não poderia fazer nada.

- ¿Qué hará ahora?

- É minha filha! Tenho que cuidar dela. Já levei tanta coisa para ela sem que sequer soubesse. A mãe gastava todo dinheiro em cigarros, depois me ligava quando não tinha mais o que comer. Mas agora Mercedes está morta e enterrada, Raquel Maria está comigo e irá a escola todos os dias. Comerá o melhor possível, e não terá vícios. Acredita que quando voltávamos do cemitério hoje ela me tirou o cigarro, e o tragou? Do mesmo jeito que ia fazer com a bebida.

- ¡Que diaba!

- E antes de dormir... Estava preocupada sem saber para onde Mercedes havia ido. Disse que com certeza estava no céu, mas ela revelou que a mãe não queria ir para o céu.

- ¿Pero cómo?

- E o inferno seria ruim demais, porque é quente e terrível. Nem o purgatório seria bom, para Raquel, a mãe cansaria de esperar.

- ¡Que niña picara!

- E como... Ela ganhou de mim no baralho. Mercedes sempre foi melhor que eu. Você pode me ajudar com ela?

- ¡Hago el posible!

- Obrigado. Vou voltar lá pra cima. Amanhã alguém tem que ir à escola logo cedo. Outra coisa, eu fiz um acordo que permitia a Raquel beber licor e vinho.

- ¿Tu permitiste?

- Sim, mas... Quero que dilua o vinho em suco de uva. O licor que ela quer é de chocolate com mel, então... Lhe de achocolatado com mel misturado ao licor. Ela é esperta, mas eu sou mais.

- Estas cierto.

- Obrigado Paolo. Boa noite.

Carlo Vitor sobe notando que não tem onde dormir, mas pela manhã não é diferente de quando ele estudava todos correndo.

- Raquel, acorde. Está atrasada para a escola. – Carlo Vitor.

- Não quero ir. – Raquel Maria.

- Tem que ir à escola, ou vai crescer orelhas de burro em você.

A menina parou encarando-o.

- Mentira. – Raquel Maria.

- É, mas ainda assim tem que ir à escola. – Carlo Vitor.

- Eu não estou me sentindo bem.

- Isso também me cheira a mentira.

- Mas estou dizendo a verdade, minha garganta está doendo.

- Hum, abra a boca.

Ela obedece, mas não há nada nela, então passa a mão pelo rosto para verificar a temperatura.

- Você está ótima, pare de inventar desculpas. Tenho que trabalhar e Paolo não poderá ficar com você. – Carlo Vitor.

- Não estou me sentindo bem!

- Vamos logo Raquel. Já vi que terei que levar a caminhonete de Paolo para não chegar tarde.

Carlo faz com que Raquel se vista rápido, mas não leva a caminhonete de Paolo. Ambos vão de ônibus com Raquel cochilando encostada ao vidro.

- Agora seja uma boa garota e se comporte. Quer que eu venha buscá-la ou você toma o ônibus escolar. – Carlo Vitor.

- Quero ir para casa agora. – Raquel Maria.

- Com tanta vontade de voltar eu vou achar que você consegue ir andando. Podia usar essa força para estudar um pouquinho.

- Por favor...

- Se não voltar agora pra escola você vai abandoná-la pra sempre e eu não quero que seja uma ignorante.

- O que é ignorante?

- Uma ótima pergunta para fazer à sua professora.

- Carlo...

A última tentativa da garota não deu certo.

- Eu prometo vir lhe buscar para almoçarmos juntos. Agora vá logo. – Carlo Vitor.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Capítulo IV

- Nada de mas, foi você que procurou. Tem de tudo lá embaixo. Pão, leite... Paolo até faz marmita para vender, e sempre almoçamos lá embaixo.

- E à noite.

- Peço pizzas quando não estou lá embaixo ou não saio para comer.

- Com que freqüência faz isso?

- Bem...

- Nunca, certo?

- Resumidamente.

- Está bem. E quanto às regras?

- Você tem que fazer o que eu disser, e ponto.

- Isso é injustiça! Uma ditadura!

- Então, eu posso fazer tudo o que você faz, mas...

- Mas...

- Você fará um quinto do que eu faço. E quanto a bebidas alcoólicas apenas um doze avos em um intervalo de quatro meses.

-Isso é mais injusto ainda!

- Ou isso, ou nada.

- Posso dormir tarde?

- Dez horas o mais tardar.

- Mas Mercedes...

- Quero que vá à escola, e que se dê bem. Eu vi o seu último boletim, com recuperação em artes e em educação física.

- Na verdade fui criativa demais para o meu professor. Ele desconsiderou o fato de uma cidade de doces, e habitadas por formigas e baratas.

- Mesmo? Puxa... E você sabia que no caso de outra guerra nuclear são altas as probabilidades de apenas as baratas sobreviverem?

- Mesmo? Puxa... Você vai me ajudar com as tarefas de casa?

- Farei o melhor possível.

- Ótimo. Agora vamos negociar estas regras.

Ela começou a separar as cartas do baralho diante dos dois.

- Vamos logo. Se eu ganhar vou poder beber doses completas de vinho, licor e whisky. – Raquel Maria.

- Nada de whisky pra você. – Carlo Vitor.

- Trimestral?

- Trimestral, mas vou conversar com Paolo sobre isso. E Ângelo não tem autorização de te servir nada. Promete?

- Está bem, Carlo Vitor.

- Agora me diz uma coisa.

- O que?

- Quem te contou o meu nome do meio?

Raquel mexeu no bolso externo da mochila, retirando uma foto envelhecida e maltratada.

- Tem aqui. – Raquel Maria.

- Nossa... Isso é de quando eu terminei o colegial. – Carlo Vitor.

- Mercedes costumava me mostrar essa foto, até que Carlo Miguel morreu. Então ela, apenas me deu a foto.

- Sinto muito pelo seu irmão.

- Ele também era seu filho.

- É, eu sei.

- Ganhei.

- O que?

- O jogo. Quero o meu licor de chocolate e mel agora.

Carlo sorriu e Raquel lhe abraçou pelo pescoço. Algo voltava a ser como antes, para ela.

- Como você ficou esperta, garota! – Carlo Vitor.

- Carlo Vitor, Mercedes foi para o céu? – Raquel Maria.

A mudança de assunto de Raquel foi tão repentina que ele não soube o que responder de imediato.

- Ela... Está sim, está lá no céu. –Carlo Vitor.

- Mercedes disse que não queria ir para o céu quando morresse. Não queria ir para um lugar onde Deus condenasse todo o mundo em troca dela. – Raquel Maria.

- Não foi bem assim. Jesus morreu para salvar o mundo.

- E se ele estivesse vivo o mundo estaria condenado?

- Então talvez Mercedes esteja onde queira.

- Não no inferno, lá seria... Terrível.

- Quem sabe, então, ela esteja no purgatório. Deus pode estar se decidindo.

- Mas se ela se cansar de esperar?

Carlo passou a mão pelos cabelos da filha.

- Querida, Mercedes está bem, onde quer que esteja.

- Mas...

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Capítulo III

Com a filha no colo, a mochila e a maleta de Raquel no ombro e numa das mãos, Carlo subiu se atrapalhando para abrir a porta com as chaves e entrou. Colocou Raquel na sua cama e foi tomar um banho, separando uma chave da porta extra e escrevendo um bilhete simples e claro no andar de baixo.

- Paolo, cuida da menina para mim. Tentarei chegar mais cedo hoje. – Carlo Vitor.

- ¡Vay a tranquilidad amigo! Yo juro que no ire ceder nada a ella beber.

- Valeu mano.

Carlo saiu do bar – e casa – pegando a rua à esquerda, tomando o ônibus, chegando ao serviço quando Raquel acordou.

- Carlo Vitor? Carlo Vitor Miranda? – Raquel Maria.

Ela chamou-o pelo apartamento, indo até a sala, onde vê a anotação de seu pai na pequena mesa.

“RAQUEL, ESTA É A CHAVE DA PORTA, CASO RESOLVA SAIR NÃO SE ESQUEÇA DE TRANCAR A PORTA. ENCONTRARÁ ALGO PARA COMER NA GELADEIRA, QUALQUER COISA QUE PRECISE PEÇA A PAOLO, NO BAR. PROMETO ESTAR ÀS 18HS EM CASA.”

Raquel olhou ao redor, havia roupas e papeis para todos os lados.

- Ele atreve-se a chamar de casa. – Raquel Maria.

A maior parte do tempo até que seu pai chegue a menina usa para organizar algumas coisas, e pouco antes de ele chegar desce para o bar, já com o movimento de alguns funcionários.

- ¡Niña, yo estava preocupándome! – Paolo.

- Vou sair. Se Carlo Vitor Miranda volte antes de mim responda que não vou demorar. – Raquel Maria.

- ¡Pero, yo hablé con el que yo cuidaría de tu! – Paolo.

- Não entendo o que você diz!

- ¡Niña! ¡Niña, aguarde!

Raquel sai deixando Paolo preso pela quase nenhuma movimentação do início da noite, jovens recém saídos da escola.

A principio ela perdeu-se nas desconhecidas ruas da nova cidade, mas depois de algumas informações alcançou o supermercado, e retornou ao bar com suas sacolas médias com luvas escuras calçadas em suas mãos frias e um cachecol xadrez no pescoço. Mas Carlo não via, estava zangado por ter se preocupado tanto.

- Raquel Maria, onde estava? – Carlo.

- Estive fazendo compras. Você disse para que eu pegasse algo na geladeira. – Raquel Maria.

- Então por que não fez isso? Por que saiu?

- A sua geladeira está vazia.

Ela largou as compras no primeiro degrau da escada que levaria ao apartamento e retirou as luvas.

- Você me deixou muito preocupado. Aqui não é como a cidade em que Mercedes e você moravam. Não existe calçada para os motoristas de carro, há tiroteios de porta de escola à porta de hospital, viciados em cada esquina... E nem os cachorros andam nas ruas daqui porque sabem que são perigosas! Aí você sai sem me avisar e volta dizendo que foi fazer compras? – Carlo.

- Desculpe por comprar coisas que não sejam chips ou refrigerante para eu beber, Carlo Vitor Miranda! – Raquel Maria.

Ela não leva as compras para o apartamento, subindo correndo com Carlo em seguida, levando as compras.

- Raquel. Raquel Maria, eu ainda não acabei de fazer com você. – Carlo Vitor.

- Não me importa. – Raquel Maria.

Carlo encontrou-a colocando na mochila as poucas coisas que havia retirado.

- O que está fazendo? – Carlo Vitor.

- Você disse que eu ficaria, se eu quisesse. Eu não quero. Vou embora. – Raquel Maria.

- Não quer mais ficar aqui?

- Acho que não está tão difícil de perceber...

- Para onde você vai?

- Vou pelas ruas perigosas para a casa da avó Ana.

- A mãe de Mercedes.

- É.

- Ela morreu, há dois anos.

Raquel parou para olhá-la.

- Como sabe? – Raquel Maria.

- Eu cuidava dela, aparentemente Mercedes não tinha muito tempo. Ana morava em um sítio, não muito longe... – Carlo Vitor.

Raquel voltou a fazer antes de parar para ouvi-lo.

- Não importa. Vou para qualquer lugar onde você não esteja. – Raquel Maria.

- Vamos tentar de novo? – Carlo Vitor.

- Mercedes e eu tentamos apenas uma vez, e nunca deu errado.

- Ela sempre te teve, só pra ela. Dê uma chance para mim.

- Mercedes dizia que você era um desgraçado.

Carlo fechou os olhos sem querer escutar.

- É, eu posso imaginar. Sempre a amei, mas... É difícil explicar. – Carlo Vitor.

- Eu não gostava de quando ela dizia isso. – Raquel Maria.

- Você não vai entender, como nos amávamos, é coisa de adulto.

- Então eu vou ficar com a condição de que me explicará tudo quando eu crescer.

- Vai voltar quando estiver crescida?

- Não. Eu vou ficar até conseguir entender.

- Obrigado.

Ele abraçou-a, coisa que não haviam feito antes.

- Está devendo R$ 100,00 ao Paolo. – Raquel Maria.

- Mas...– Carlo Vitor.

- As coisas não estão nada baratas ultimamente.

- E você gastou tanto assim?

- Arroz, feijão, frutas e legumes... Crianças precisam se alimentar bem, sabia?

- Raquel, é muita grana!

- Quem vai fazer a janta?

- Eu sempre janto lá embaixo.

- Não está sugerindo que eu desça a um bar a noite, não é?

- O problema é que eu não tenho todo esse dinheiro Raquel.

- Damos um jeito.

- Qual jeito? Já sei... Você vai ajudar Paolo nas tarefas da tarde. Amanhã cedo vai para a escola, já telefonei e acertei tudo.

- Mas...