domingo, 16 de maio de 2010

Capítulo I – Raquel Maria Andreas Miranda.

Havia três coisas que Mercedes Andreas havia ensinado a Raquel Maria Andreas. Jogar cartas, não chorar e, recentemente, que cigarro matava. O primeiro para viver, o segundo para sobreviver e o segundo para morrer. Também havia duas coisas que Carlo Vitor Miranda ensinou a Raquel Maria. Superar ser ignorada.

Desde a morte de Carlos Miguel Andreas Júnior morrerá Raquel era a filha única, sendo assim desde os seus quatro anos quando Carlos Miguel, dez anos mais velho, fora assassinado. Raquel Maria sobreviveu com sua mãe por seis anos mais, quando Mercedes Andreas morreu de câncer pulmonar.

- Oi.

Raquel Maria limitou-se a dar uma olhada para o homem e voltar a vista para o caixão que descia na cova.

- Eu o conheço? – Raquel Maria.

- Sou o seu pai. – Carlo Vitor.

- Hum...

Ela não pareceu dar muita importância ao fato, mas percebeu ter desconcertado o homem que tentava dizer algo, mas sem saber bem o que.

- Acho que vi uma foto sua, certa vez. – Raquel Maria.

- Desculpe-me por não ter aparecido muito nos últimos... Anos. – Carlo Vitor.

- É, eu sei. Não foi nada, afinal... Não são importantes os primeiros anos de um ser humano que tem tanto a viver ainda.

- Escute, eu pedi desculpas, de coração. Posso fazer algo mais?

- Não, não pode. Já não há mais nada que eu queira que seja feito por você.

Carlo parou observando a menina tão adulta encarando-o. Os mesmos olhos grandes, o mesmo olhar profundo. Os olhos esperançosos e exigentes de Mercedes Andreas.

- Sua mãe parece ter dado a lição direitinho, hein. – Carlo Vitor.

- Fez o que pode, já que só ela podia me ensinar algo. – Raquel Maria.

- É, está bem.

Com Carlo dando-se por vencido eles contornaram o túmulo de Mercedes Andreas lançando um último olhar a sepultura antes de saírem do cemitério. Ninguém os acompanhava. O marido da falecida não foi vê-la, mandando um representante para o processo burocrático que envolvia os únicos presentes além de pai e filha. O pastor e o coveiro. Naquele dia chuvoso.

- Para onde vamos? – Raquel Maria.

- Vamos brindar à sua mãe. Ela merece, não é mesmo? – Carlo Vitor.

- Para onde vamos?

Ela buscava por uma resposta direta.

- Calma, está bem? Vamos ao restaurante, de um amigo, que fica aqui perto. – Carlo Vitor.

- Um bar. – Raquel Maria.

- É. É isso, um bar.

- Vou morar com você?

- Se quiser...

A falta de interesse foi o que ela percebeu na voz do pai, e só sabia ser sincera.

- Você nunca quis. – Raquel Maria.

- Eu não saberia cuidar de uma menina pequena. A sua mãe conseguiu. – Carlo Vitor.

- Por quê?

Ele acendeu um cigarro e o tragou.

- Ora, fumar, por exemplo. Fumar não é para garotas. – Carlo Vitor.

- Não penso assim. Mercedes fumava. – Raquel Maria.

Ela pegou o cigarro de entre os dedos dele e tragou, sem engasgar ou tossir. Ele não demorou a pegá-lo de volta.

- É, eu sei. E é por isso que ela está a sete palmos abaixo da terra. – Carlo Vitor.

- Eu sei. – Raquel Maria.

- Bem, você quer morar comigo ou não?

- Quero. Mas vamos precisar de algumas regras.

- Era o que eu ia dizer. E a primeira é nada de cigarros.

- Para mim ou para você? Não sou eu que estou viciada em nicotina. Além disso, Mercedes e eu tínhamos uma regra simples: tudo o que uma faz, a outra faz também, se quiser.

- Isso quer dizer que ela tomava leite no café da manhã?

- E eu ir dormir uma hora da manhã.

- Não haverá esse tipo de trato comigo.

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