sábado, 27 de novembro de 2010

Capítulo VII

- Mercedes... – Raquel Maria.
- Você vai ficar bem, minha linda. Vai ficar bem. – Carlo Vitor.
Poucos minutos depois o que se escuta são sirenes.
- ¡Frida no estaba em casa! Solicité uno carro de emergencia. – Paolo.
- Fez bem. – Carlo Vitor.
- Yo voy a trácelos.
Paolo não demorou a retornar com os para-médicos que chegaram com uma maca.
- É esta a menina? – Douglas AB.
- Afastem-se, por favor. Danilo O+.
Os homens arrumaram a menina sobre a maca e um lhe tomava o pulso enquanto outro preparava uma solução anti térmica.
- Ela é alérgica a algum medicamento? – Douglas AB.
- Não sei. Ela ficará bem? – Carlo.
- Não se preocupe. Nós a levaremos ao hospital. Quem acompanhará a criança. – Danilo O+
- Eu mesmo, sou o pai dela.
- Vamos indo para o hospital municipal.
- Sabem o que aconteceu?
- Apenas o médico poderá dizer com certeza. Vamos Roberto!
Os quatro embarcaram na ambulância onde um terceiro para-médico se encontrava diante do volante.
- Não podem ir mais depressa? – Carlo Vitor.
- Estamos no limite, amigo. – Pedro B.
- Liguem a sirene!
- Acalme-se, senhor. Sua filha ficará bem. – Douglas AB.
Cinco minutos depois os dois para-médicos davam entrada no hospital empurrando a maca. Uma enfermeira apareceu de prancheta nas mãos.
- Nome? – Elena.
- Raquel Maria Andreas Miranda. – Carlo Vitor.
- Idade?
- 10 anos. Doze de maio.
- Mãe?
- Mercedes Andreas. Faleceu há dois dias.
- Pai?
- Eu. Carlo Vitor Miranda.
- Pode me acompanhar, por favor.
- E a minha filha?
- Ela ficará bem. Por aqui, por favor.
Carlo seguiu a enfermeira até a pequena sala onde o interrogou para preencher a ficha.
- Seu nome? – Elena.
- Carlo Vitor Miranda. Eu já disse isso...
- O nome da sua filha.
- Raquel Maria Andreas Miranda. Olha, eu já não lhe passei todos estes dados!
- Está bem... Ela tem alergia a algum tipo de medicação?
- Não sei,
- A paciente é filha de pais separados?
- Não chegamos a nos casar.
- ?!
- A mãe dela, Mercedes Andreas, morreu há dois dias e a criança veio morar comigo.
- Já tinham um convívio anterior?
- Não, quase nenhum.
- Como Raquel Maria reagiu?
- Nós nos entendemos.
- Ela se queixou de algo, recentemente?
- Tudo é recentemente! Ela, se queixou, sim. Disse que se sentia mal hoje cedo, e eu não dei atenção. Achei que era apenas para não ir à escola. Eu fazia esse tipo de coisa...
- Verificou se ela tinha febre?
- Nem meio grau fora do normal, eu conferi! Inclusive olhei a garganta.
- Senhor, sei que é um assunto delicado, mas Raquel Maria é uma menina que viveu sempre com a mãe, e não sabia de sua existência.
- Ela me conhecia.
- O senhor se acha capacitado para cuidar de Raquel Maria?
- Claro. Claro que sim. Eu tenho ao menos que tentar! É o que farei, Raquel vai me ajudar também. Você não sabe como ela é esperta.
- Então, é um pai dedicado.
- Obrigado.
- Onde morará com a menina?
- Rua 13, neste bairro. Residência 6, sobre loja.
- Hum...
- Olha, eu posso ver minha Raquel agora?
- Vou lhe mostrar onde ela está. Por favor, assine estes papéis para irmos.
Não demoraram a seguir pelo corredor. Entraram no quarto e um enfermeiro deixou-os sós.
- Um forte resfriado. Teve febre e irritação severa da garganta, um pouco comum nesta idade, e no inverno...
- Raquel. Raquel Maria, querida... – Carlo Vitor.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Capítulo VI

Raquel ficou na escola e Carlo foi para a fábrica, chegando atrasado em uma hora, tendo um dia atarefado sem ter as suas desculpas aceitas pelo chefe. Teria apenas aquela manhã de serviço, foi demitido. Por isso não havia porque ao meio-dia não estar diante do portão da escola.
- Por favor, poderia me dizer se a aluna Raquel Maria Andreas Miranda está aí? – Carlo Vitor.
- Sinto muito, todas as crianças já saíram.
- Tem certeza?
- Tenho sim, senhor. Até os professores já saíram.
- Obrigado.
Carlo sai de lá zangado com Raquel, mas não mais do que consigo mesmo por ter sido demitido. Encontrou Paolo estacionando a sua caminhonete diante d prédio em que morava.
- Paolo, onde está Raquel? – Carlo Vitor.
- ¡Yo no sé! Yo pensé que tu iba la buscar hoy. – Paolo.
- Ela não estava. Onde ela pode ter se enfiado?
- ¡Talvez ya esteja em riba!
- Vou olhar.
- ¡Cierto! – Paolo.
Ele ligou a secretária eletrônica para escutar os recados.
- Paolo, diz para Carlo Vitor vir me buscar. Eu não me sinto bem. Estou perto dos correios. – Raquel Maria.
Paolo colocou a mensagem seguinte.
- Paolo, por favor... Pede para Carlo Vitor vir me buscar, está frio e minha garganta está doendo, não consigo falar. – Raquel Maria.
- ¡Carlo, Carlo! ¡Deza aquí! ¡Ande luego! – Paolo.
- Ela não está lá em cima. – Carlo Vitor.
- ¡Aqui! ¡Escucha esto! – Paolo.
- Paolo, peça pra Carlo, cof-cof... Vir me buscar. Eu estou perto, há uma quadra, cof-cof... Do bar... Estou com frio e... Minha garganta e meu peito, cof-cof... Estão doendo muito... Por favor, fala pra ele vir logo... Minha cabeça, cof... Minha cabeça também dói. – Raquel Maria.
Paolo, não esquece, liga pra ele.
- Raquel. – Carlo Vitor.
- ¡El sonido de su voz no parece bien! – Paolo.
- Vou atrás dela. Tudo isso é culpa minha, ela disse que não se sentia bem. Vou atrás dela.
- ¡Cierto!
Carlo saiu à procura de Raquel e rodou toda a quadra atrás dela, depois correu duas quadras ao redor. Por fim, retornou ao Bar do Paolo sem êxito.
- Nada, alguma notícia dela?
- No.
- Mas que droga!
- ¿Que esto?
- Isso o que?
- ¡Shhh!
- O que?
Paolo caminhou pelo salão para um canto do seu estabelecimento.
- ¡Aqui, la niña! – Paolo.
Carlo correu até lá sem acreditar no que escutava.
- ¡Raquel! Encontré su hija. ¡Su hija!
Raquel estava caída Numa sala reservada do bar.
- Raquel, Raquel Maria... Fala comigo! – Carlo Vitor.
- ¡Ella está ardiente em fiebre! – Paolo.
- O que eu faço? Vamos Paolo, diga! Você tem filhos!
- ¡Yo no sé!
- Como não sabe?
- ¡Mi mujer siempre cuida disto!
- Liga para ela! Anda pegue o telefone e fale com ela.
Carlo pegou Raquel e sentou-se com ela em uma cadeira. O rosto da criança estava ruborizado e ardil, e ela era embalada no colo de seu pai que a abraçava temeroso.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Capítulo V

- Tenho certeza de que Mercedes está bem. Agora precisa descansar e amanhã te levarei à escola.

- Não quero ir para a escola. Você não sabe preparar o lanche e serei a única garota sem mãe, ou madrasta.

- Sua avó morreu há dois anos e minha mãe há muito tempo. Sua mãe e eu nunca deixamos de estudar.

- Você fica comigo, até eu dormir?

- Claro.

Carlo olhou Raquel adormecer aos poucos, a cada momento mais sonolenta.

- Carlo Vitor... – Raquel Maria.

- Sim querida. – Carlo Vitor.

- Você cuida de mim?

- Claro, todo o tempo. Cuidarei de você, sempre.

- Mercedes te chamava de chato, por sempre ter razão.

- Verdade?

- E que era verdade que você gostava muito de mim.

- Acho que ela estava certa.

Raquel Maria dormiu, finalmente, com Carlo Vitor alisando seus cachos negros. Após contemplá-la desce ao bar sem o movimento de final de semana por ser segunda-feira.

- Deus... Uma tequila Paolo. E tome. – Carlo.

- ¿Que esto, dinero adelantado? – Paolo.

- Raquel fez compras em seu nome, hoje.

- Hum... ¿Adentre nosotros, la niña es mismo su hija?

- Sim Paolo. A mãe dela é Mercedes, lembra dela?

- ¡Si, si! Muy bella cuando chica.

- É. Ela me enfeitiçou com aqueles olhos negros. Fiquei cego de amor ou... O que quer que fosse.

- Y por causa del que cerraran?

- Eu vi em tempo quem ela era. Mas a menina já estava pronta.

- ¿Por causa de que no miraba la niña?

- Mercedes não queria. Eu sempre ocupado, sem ter como cegar até Raquel Maria... Muitas coisas.

- ¡Yo sé, yo sé!

- É, mas eu sempre gostei da tampinha. Mercedes só me permitiu que eu a visse até completar cinco amos, quando o outro filho morreu.

- ¿Ella tenía otro hijo?

- Sim, de quatorze anos.

- ¿Esto era tuyo?

- Não, não. Mas eu também o registrei. O rapaz se meteu com as pessoas erradas e acabou assassinado. Mercedes é, era, meio confusa, irresponsável demais. Fico feliz em Raquel não ter seguido o mesmo caminho que o irmão, mas se convivessem algum tempo mais, com Mercedes também, ela teria se perdido, e eu não poderia fazer nada.

- ¿Qué hará ahora?

- É minha filha! Tenho que cuidar dela. Já levei tanta coisa para ela sem que sequer soubesse. A mãe gastava todo dinheiro em cigarros, depois me ligava quando não tinha mais o que comer. Mas agora Mercedes está morta e enterrada, Raquel Maria está comigo e irá a escola todos os dias. Comerá o melhor possível, e não terá vícios. Acredita que quando voltávamos do cemitério hoje ela me tirou o cigarro, e o tragou? Do mesmo jeito que ia fazer com a bebida.

- ¡Que diaba!

- E antes de dormir... Estava preocupada sem saber para onde Mercedes havia ido. Disse que com certeza estava no céu, mas ela revelou que a mãe não queria ir para o céu.

- ¿Pero cómo?

- E o inferno seria ruim demais, porque é quente e terrível. Nem o purgatório seria bom, para Raquel, a mãe cansaria de esperar.

- ¡Que niña picara!

- E como... Ela ganhou de mim no baralho. Mercedes sempre foi melhor que eu. Você pode me ajudar com ela?

- ¡Hago el posible!

- Obrigado. Vou voltar lá pra cima. Amanhã alguém tem que ir à escola logo cedo. Outra coisa, eu fiz um acordo que permitia a Raquel beber licor e vinho.

- ¿Tu permitiste?

- Sim, mas... Quero que dilua o vinho em suco de uva. O licor que ela quer é de chocolate com mel, então... Lhe de achocolatado com mel misturado ao licor. Ela é esperta, mas eu sou mais.

- Estas cierto.

- Obrigado Paolo. Boa noite.

Carlo Vitor sobe notando que não tem onde dormir, mas pela manhã não é diferente de quando ele estudava todos correndo.

- Raquel, acorde. Está atrasada para a escola. – Carlo Vitor.

- Não quero ir. – Raquel Maria.

- Tem que ir à escola, ou vai crescer orelhas de burro em você.

A menina parou encarando-o.

- Mentira. – Raquel Maria.

- É, mas ainda assim tem que ir à escola. – Carlo Vitor.

- Eu não estou me sentindo bem.

- Isso também me cheira a mentira.

- Mas estou dizendo a verdade, minha garganta está doendo.

- Hum, abra a boca.

Ela obedece, mas não há nada nela, então passa a mão pelo rosto para verificar a temperatura.

- Você está ótima, pare de inventar desculpas. Tenho que trabalhar e Paolo não poderá ficar com você. – Carlo Vitor.

- Não estou me sentindo bem!

- Vamos logo Raquel. Já vi que terei que levar a caminhonete de Paolo para não chegar tarde.

Carlo faz com que Raquel se vista rápido, mas não leva a caminhonete de Paolo. Ambos vão de ônibus com Raquel cochilando encostada ao vidro.

- Agora seja uma boa garota e se comporte. Quer que eu venha buscá-la ou você toma o ônibus escolar. – Carlo Vitor.

- Quero ir para casa agora. – Raquel Maria.

- Com tanta vontade de voltar eu vou achar que você consegue ir andando. Podia usar essa força para estudar um pouquinho.

- Por favor...

- Se não voltar agora pra escola você vai abandoná-la pra sempre e eu não quero que seja uma ignorante.

- O que é ignorante?

- Uma ótima pergunta para fazer à sua professora.

- Carlo...

A última tentativa da garota não deu certo.

- Eu prometo vir lhe buscar para almoçarmos juntos. Agora vá logo. – Carlo Vitor.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Capítulo IV

- Nada de mas, foi você que procurou. Tem de tudo lá embaixo. Pão, leite... Paolo até faz marmita para vender, e sempre almoçamos lá embaixo.

- E à noite.

- Peço pizzas quando não estou lá embaixo ou não saio para comer.

- Com que freqüência faz isso?

- Bem...

- Nunca, certo?

- Resumidamente.

- Está bem. E quanto às regras?

- Você tem que fazer o que eu disser, e ponto.

- Isso é injustiça! Uma ditadura!

- Então, eu posso fazer tudo o que você faz, mas...

- Mas...

- Você fará um quinto do que eu faço. E quanto a bebidas alcoólicas apenas um doze avos em um intervalo de quatro meses.

-Isso é mais injusto ainda!

- Ou isso, ou nada.

- Posso dormir tarde?

- Dez horas o mais tardar.

- Mas Mercedes...

- Quero que vá à escola, e que se dê bem. Eu vi o seu último boletim, com recuperação em artes e em educação física.

- Na verdade fui criativa demais para o meu professor. Ele desconsiderou o fato de uma cidade de doces, e habitadas por formigas e baratas.

- Mesmo? Puxa... E você sabia que no caso de outra guerra nuclear são altas as probabilidades de apenas as baratas sobreviverem?

- Mesmo? Puxa... Você vai me ajudar com as tarefas de casa?

- Farei o melhor possível.

- Ótimo. Agora vamos negociar estas regras.

Ela começou a separar as cartas do baralho diante dos dois.

- Vamos logo. Se eu ganhar vou poder beber doses completas de vinho, licor e whisky. – Raquel Maria.

- Nada de whisky pra você. – Carlo Vitor.

- Trimestral?

- Trimestral, mas vou conversar com Paolo sobre isso. E Ângelo não tem autorização de te servir nada. Promete?

- Está bem, Carlo Vitor.

- Agora me diz uma coisa.

- O que?

- Quem te contou o meu nome do meio?

Raquel mexeu no bolso externo da mochila, retirando uma foto envelhecida e maltratada.

- Tem aqui. – Raquel Maria.

- Nossa... Isso é de quando eu terminei o colegial. – Carlo Vitor.

- Mercedes costumava me mostrar essa foto, até que Carlo Miguel morreu. Então ela, apenas me deu a foto.

- Sinto muito pelo seu irmão.

- Ele também era seu filho.

- É, eu sei.

- Ganhei.

- O que?

- O jogo. Quero o meu licor de chocolate e mel agora.

Carlo sorriu e Raquel lhe abraçou pelo pescoço. Algo voltava a ser como antes, para ela.

- Como você ficou esperta, garota! – Carlo Vitor.

- Carlo Vitor, Mercedes foi para o céu? – Raquel Maria.

A mudança de assunto de Raquel foi tão repentina que ele não soube o que responder de imediato.

- Ela... Está sim, está lá no céu. –Carlo Vitor.

- Mercedes disse que não queria ir para o céu quando morresse. Não queria ir para um lugar onde Deus condenasse todo o mundo em troca dela. – Raquel Maria.

- Não foi bem assim. Jesus morreu para salvar o mundo.

- E se ele estivesse vivo o mundo estaria condenado?

- Então talvez Mercedes esteja onde queira.

- Não no inferno, lá seria... Terrível.

- Quem sabe, então, ela esteja no purgatório. Deus pode estar se decidindo.

- Mas se ela se cansar de esperar?

Carlo passou a mão pelos cabelos da filha.

- Querida, Mercedes está bem, onde quer que esteja.

- Mas...

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Capítulo III

Com a filha no colo, a mochila e a maleta de Raquel no ombro e numa das mãos, Carlo subiu se atrapalhando para abrir a porta com as chaves e entrou. Colocou Raquel na sua cama e foi tomar um banho, separando uma chave da porta extra e escrevendo um bilhete simples e claro no andar de baixo.

- Paolo, cuida da menina para mim. Tentarei chegar mais cedo hoje. – Carlo Vitor.

- ¡Vay a tranquilidad amigo! Yo juro que no ire ceder nada a ella beber.

- Valeu mano.

Carlo saiu do bar – e casa – pegando a rua à esquerda, tomando o ônibus, chegando ao serviço quando Raquel acordou.

- Carlo Vitor? Carlo Vitor Miranda? – Raquel Maria.

Ela chamou-o pelo apartamento, indo até a sala, onde vê a anotação de seu pai na pequena mesa.

“RAQUEL, ESTA É A CHAVE DA PORTA, CASO RESOLVA SAIR NÃO SE ESQUEÇA DE TRANCAR A PORTA. ENCONTRARÁ ALGO PARA COMER NA GELADEIRA, QUALQUER COISA QUE PRECISE PEÇA A PAOLO, NO BAR. PROMETO ESTAR ÀS 18HS EM CASA.”

Raquel olhou ao redor, havia roupas e papeis para todos os lados.

- Ele atreve-se a chamar de casa. – Raquel Maria.

A maior parte do tempo até que seu pai chegue a menina usa para organizar algumas coisas, e pouco antes de ele chegar desce para o bar, já com o movimento de alguns funcionários.

- ¡Niña, yo estava preocupándome! – Paolo.

- Vou sair. Se Carlo Vitor Miranda volte antes de mim responda que não vou demorar. – Raquel Maria.

- ¡Pero, yo hablé con el que yo cuidaría de tu! – Paolo.

- Não entendo o que você diz!

- ¡Niña! ¡Niña, aguarde!

Raquel sai deixando Paolo preso pela quase nenhuma movimentação do início da noite, jovens recém saídos da escola.

A principio ela perdeu-se nas desconhecidas ruas da nova cidade, mas depois de algumas informações alcançou o supermercado, e retornou ao bar com suas sacolas médias com luvas escuras calçadas em suas mãos frias e um cachecol xadrez no pescoço. Mas Carlo não via, estava zangado por ter se preocupado tanto.

- Raquel Maria, onde estava? – Carlo.

- Estive fazendo compras. Você disse para que eu pegasse algo na geladeira. – Raquel Maria.

- Então por que não fez isso? Por que saiu?

- A sua geladeira está vazia.

Ela largou as compras no primeiro degrau da escada que levaria ao apartamento e retirou as luvas.

- Você me deixou muito preocupado. Aqui não é como a cidade em que Mercedes e você moravam. Não existe calçada para os motoristas de carro, há tiroteios de porta de escola à porta de hospital, viciados em cada esquina... E nem os cachorros andam nas ruas daqui porque sabem que são perigosas! Aí você sai sem me avisar e volta dizendo que foi fazer compras? – Carlo.

- Desculpe por comprar coisas que não sejam chips ou refrigerante para eu beber, Carlo Vitor Miranda! – Raquel Maria.

Ela não leva as compras para o apartamento, subindo correndo com Carlo em seguida, levando as compras.

- Raquel. Raquel Maria, eu ainda não acabei de fazer com você. – Carlo Vitor.

- Não me importa. – Raquel Maria.

Carlo encontrou-a colocando na mochila as poucas coisas que havia retirado.

- O que está fazendo? – Carlo Vitor.

- Você disse que eu ficaria, se eu quisesse. Eu não quero. Vou embora. – Raquel Maria.

- Não quer mais ficar aqui?

- Acho que não está tão difícil de perceber...

- Para onde você vai?

- Vou pelas ruas perigosas para a casa da avó Ana.

- A mãe de Mercedes.

- É.

- Ela morreu, há dois anos.

Raquel parou para olhá-la.

- Como sabe? – Raquel Maria.

- Eu cuidava dela, aparentemente Mercedes não tinha muito tempo. Ana morava em um sítio, não muito longe... – Carlo Vitor.

Raquel voltou a fazer antes de parar para ouvi-lo.

- Não importa. Vou para qualquer lugar onde você não esteja. – Raquel Maria.

- Vamos tentar de novo? – Carlo Vitor.

- Mercedes e eu tentamos apenas uma vez, e nunca deu errado.

- Ela sempre te teve, só pra ela. Dê uma chance para mim.

- Mercedes dizia que você era um desgraçado.

Carlo fechou os olhos sem querer escutar.

- É, eu posso imaginar. Sempre a amei, mas... É difícil explicar. – Carlo Vitor.

- Eu não gostava de quando ela dizia isso. – Raquel Maria.

- Você não vai entender, como nos amávamos, é coisa de adulto.

- Então eu vou ficar com a condição de que me explicará tudo quando eu crescer.

- Vai voltar quando estiver crescida?

- Não. Eu vou ficar até conseguir entender.

- Obrigado.

Ele abraçou-a, coisa que não haviam feito antes.

- Está devendo R$ 100,00 ao Paolo. – Raquel Maria.

- Mas...– Carlo Vitor.

- As coisas não estão nada baratas ultimamente.

- E você gastou tanto assim?

- Arroz, feijão, frutas e legumes... Crianças precisam se alimentar bem, sabia?

- Raquel, é muita grana!

- Quem vai fazer a janta?

- Eu sempre janto lá embaixo.

- Não está sugerindo que eu desça a um bar a noite, não é?

- O problema é que eu não tenho todo esse dinheiro Raquel.

- Damos um jeito.

- Qual jeito? Já sei... Você vai ajudar Paolo nas tarefas da tarde. Amanhã cedo vai para a escola, já telefonei e acertei tudo.

- Mas...

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Capítulo II

Ele abriu a porta do bar, mas a menina estava parada na calçada, então ele se voltou sem entender.
- O que foi? – Carlo Vitor.
- Precisamos entrar em um acordo agora. – Raquel Maria.
- Então vamos fazer isso aqui dentro.
Entraram no bar aberto, porém apenas para expediente interno, sem movimento durante o dia. Um homem barrigudo surgiu por trás do balcão.
- Ei Carlo ¿Que te pongo? – Paolo.
- ¡Una tequila, mano! – Carlo Vitor.
- ¿Y la niña?
- O que vai querer Raquel?
- Licor de chocolate com mel. – Raquel Maria.
Paolo encara Carlo com as sobrancelhas arqueadas.
- ¡Mira leche a ella! – Carlo Vitor.
- Não quero leite. – Raquel Maria.
- Un zuco o un refri a ella.
- Quero lícor.
- Olha, eu não vou deixá-la beber comida alcoólica.
- Não vai me impedir.
Raquel Maria e Carlo se encararam.
- Então, o que via querer? – Carlo Vitor.
- Não vai beber álcool. – Raquel Maria.
- Fala sério. Olha, não vai me impedir.
Ele levantou o copo em direção à boca e Raquel subiu no balcão arrancando o copo das mãos do pai.
- Raquel Maria, pare com isso. – Carlo Vitor.
- Eu o impedi. – Raquel Maria.
- Ótimo, agora me devolve esse copo.
- Não vai beber.
- Raquel Maria Andreas...
- Quem você é para me impedir?
- Eu sou o seu pai. Agora pare com isso!
- ¿Ella es su hija? – Paolo.
- Sim.
- Não é grande coisa que seja o meu pai. – Raquel Maria.
- Raquel Maria Andreas Miranda, pare, agora!
- Não há porque o seu sobrenome!
Raquel torceu as sobrancelhas jogando sobre o pai antes de descer. Paolo ria com seus copos sendo limpos. Ela dirigiu-se a sua mochila e baixou a cabeça nos braços. Antes que esperasse estava adormecida, sem que notassem.
- Essa menina não vai ser fácil. – Carlo Vitor.
- ¿Ella es mesmo su hija? – Paolo.
- Sim Paolo. Mercedes Andreas morreu ontem, e deixou essa maravilha comigo, de lembrança.
- ¿Quedará con ella?
- Claro! Não deixa de ser a minha filha.
- ¿Conocia ella?
- Sim, mas... Mercedes e eu nunca nos damos muito bem...
- ¿Ella no quedaste tu conocer su hija?
- Eu a vi, quando muito pequena.
- Bien, es mejor llevala al apartamento, tu cambiar esa ropa y ir a tabajar. Su hora apretase.
- Nossa, é verdade!
Ele olhou o relógio na parede comparando com o que havia em seu pulso.
- Vamos Raquel. Raquel Maria... O que há com você agora? – Carlo Vitor.
Ele foi até a menina, balançando-a de leve.
- Essa é boa, ela acabou dormindo. – Carlo Vitor.

domingo, 16 de maio de 2010

Capítulo I – Raquel Maria Andreas Miranda.

Havia três coisas que Mercedes Andreas havia ensinado a Raquel Maria Andreas. Jogar cartas, não chorar e, recentemente, que cigarro matava. O primeiro para viver, o segundo para sobreviver e o segundo para morrer. Também havia duas coisas que Carlo Vitor Miranda ensinou a Raquel Maria. Superar ser ignorada.

Desde a morte de Carlos Miguel Andreas Júnior morrerá Raquel era a filha única, sendo assim desde os seus quatro anos quando Carlos Miguel, dez anos mais velho, fora assassinado. Raquel Maria sobreviveu com sua mãe por seis anos mais, quando Mercedes Andreas morreu de câncer pulmonar.

- Oi.

Raquel Maria limitou-se a dar uma olhada para o homem e voltar a vista para o caixão que descia na cova.

- Eu o conheço? – Raquel Maria.

- Sou o seu pai. – Carlo Vitor.

- Hum...

Ela não pareceu dar muita importância ao fato, mas percebeu ter desconcertado o homem que tentava dizer algo, mas sem saber bem o que.

- Acho que vi uma foto sua, certa vez. – Raquel Maria.

- Desculpe-me por não ter aparecido muito nos últimos... Anos. – Carlo Vitor.

- É, eu sei. Não foi nada, afinal... Não são importantes os primeiros anos de um ser humano que tem tanto a viver ainda.

- Escute, eu pedi desculpas, de coração. Posso fazer algo mais?

- Não, não pode. Já não há mais nada que eu queira que seja feito por você.

Carlo parou observando a menina tão adulta encarando-o. Os mesmos olhos grandes, o mesmo olhar profundo. Os olhos esperançosos e exigentes de Mercedes Andreas.

- Sua mãe parece ter dado a lição direitinho, hein. – Carlo Vitor.

- Fez o que pode, já que só ela podia me ensinar algo. – Raquel Maria.

- É, está bem.

Com Carlo dando-se por vencido eles contornaram o túmulo de Mercedes Andreas lançando um último olhar a sepultura antes de saírem do cemitério. Ninguém os acompanhava. O marido da falecida não foi vê-la, mandando um representante para o processo burocrático que envolvia os únicos presentes além de pai e filha. O pastor e o coveiro. Naquele dia chuvoso.

- Para onde vamos? – Raquel Maria.

- Vamos brindar à sua mãe. Ela merece, não é mesmo? – Carlo Vitor.

- Para onde vamos?

Ela buscava por uma resposta direta.

- Calma, está bem? Vamos ao restaurante, de um amigo, que fica aqui perto. – Carlo Vitor.

- Um bar. – Raquel Maria.

- É. É isso, um bar.

- Vou morar com você?

- Se quiser...

A falta de interesse foi o que ela percebeu na voz do pai, e só sabia ser sincera.

- Você nunca quis. – Raquel Maria.

- Eu não saberia cuidar de uma menina pequena. A sua mãe conseguiu. – Carlo Vitor.

- Por quê?

Ele acendeu um cigarro e o tragou.

- Ora, fumar, por exemplo. Fumar não é para garotas. – Carlo Vitor.

- Não penso assim. Mercedes fumava. – Raquel Maria.

Ela pegou o cigarro de entre os dedos dele e tragou, sem engasgar ou tossir. Ele não demorou a pegá-lo de volta.

- É, eu sei. E é por isso que ela está a sete palmos abaixo da terra. – Carlo Vitor.

- Eu sei. – Raquel Maria.

- Bem, você quer morar comigo ou não?

- Quero. Mas vamos precisar de algumas regras.

- Era o que eu ia dizer. E a primeira é nada de cigarros.

- Para mim ou para você? Não sou eu que estou viciada em nicotina. Além disso, Mercedes e eu tínhamos uma regra simples: tudo o que uma faz, a outra faz também, se quiser.

- Isso quer dizer que ela tomava leite no café da manhã?

- E eu ir dormir uma hora da manhã.

- Não haverá esse tipo de trato comigo.