- Nada de mas, foi você que procurou. Tem de tudo lá embaixo. Pão, leite... Paolo até faz marmita para vender, e sempre almoçamos lá embaixo.
- E à noite.
- Peço pizzas quando não estou lá embaixo ou não saio para comer.
- Com que freqüência faz isso?
- Bem...
- Nunca, certo?
- Resumidamente.
- Está bem. E quanto às regras?
- Você tem que fazer o que eu disser, e ponto.
- Isso é injustiça! Uma ditadura!
- Então, eu posso fazer tudo o que você faz, mas...
- Mas...
- Você fará um quinto do que eu faço. E quanto a bebidas alcoólicas apenas um doze avos em um intervalo de quatro meses.
-Isso é mais injusto ainda!
- Ou isso, ou nada.
- Posso dormir tarde?
- Dez horas o mais tardar.
- Mas Mercedes...
- Quero que vá à escola, e que se dê bem. Eu vi o seu último boletim, com recuperação em artes e em educação física.
- Na verdade fui criativa demais para o meu professor. Ele desconsiderou o fato de uma cidade de doces, e habitadas por formigas e baratas.
- Mesmo? Puxa... E você sabia que no caso de outra guerra nuclear são altas as probabilidades de apenas as baratas sobreviverem?
- Mesmo? Puxa... Você vai me ajudar com as tarefas de casa?
- Farei o melhor possível.
- Ótimo. Agora vamos negociar estas regras.
Ela começou a separar as cartas do baralho diante dos dois.
- Vamos logo. Se eu ganhar vou poder beber doses completas de vinho, licor e whisky. – Raquel Maria.
- Nada de whisky pra você. – Carlo Vitor.
- Trimestral?
- Trimestral, mas vou conversar com Paolo sobre isso. E Ângelo não tem autorização de te servir nada. Promete?
- Está bem, Carlo Vitor.
- Agora me diz uma coisa.
- O que?
- Quem te contou o meu nome do meio?
Raquel mexeu no bolso externo da mochila, retirando uma foto envelhecida e maltratada.
- Tem aqui. – Raquel Maria.
- Nossa... Isso é de quando eu terminei o colegial. – Carlo Vitor.
- Mercedes costumava me mostrar essa foto, até que Carlo Miguel morreu. Então ela, apenas me deu a foto.
- Sinto muito pelo seu irmão.
- Ele também era seu filho.
- É, eu sei.
- Ganhei.
- O que?
- O jogo. Quero o meu licor de chocolate e mel agora.
Carlo sorriu e Raquel lhe abraçou pelo pescoço. Algo voltava a ser como antes, para ela.
- Como você ficou esperta, garota! – Carlo Vitor.
- Carlo Vitor, Mercedes foi para o céu? – Raquel Maria.
A mudança de assunto de Raquel foi tão repentina que ele não soube o que responder de imediato.
- Ela... Está sim, está lá no céu. –Carlo Vitor.
- Mercedes disse que não queria ir para o céu quando morresse. Não queria ir para um lugar onde Deus condenasse todo o mundo em troca dela. – Raquel Maria.
- Não foi bem assim. Jesus morreu para salvar o mundo.
- E se ele estivesse vivo o mundo estaria condenado?
- Então talvez Mercedes esteja onde queira.
- Não no inferno, lá seria... Terrível.
- Quem sabe, então, ela esteja no purgatório. Deus pode estar se decidindo.
- Mas se ela se cansar de esperar?
Carlo passou a mão pelos cabelos da filha.
- Querida, Mercedes está bem, onde quer que esteja.
- Mas...
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