sexta-feira, 11 de junho de 2010

Capítulo IV

- Nada de mas, foi você que procurou. Tem de tudo lá embaixo. Pão, leite... Paolo até faz marmita para vender, e sempre almoçamos lá embaixo.

- E à noite.

- Peço pizzas quando não estou lá embaixo ou não saio para comer.

- Com que freqüência faz isso?

- Bem...

- Nunca, certo?

- Resumidamente.

- Está bem. E quanto às regras?

- Você tem que fazer o que eu disser, e ponto.

- Isso é injustiça! Uma ditadura!

- Então, eu posso fazer tudo o que você faz, mas...

- Mas...

- Você fará um quinto do que eu faço. E quanto a bebidas alcoólicas apenas um doze avos em um intervalo de quatro meses.

-Isso é mais injusto ainda!

- Ou isso, ou nada.

- Posso dormir tarde?

- Dez horas o mais tardar.

- Mas Mercedes...

- Quero que vá à escola, e que se dê bem. Eu vi o seu último boletim, com recuperação em artes e em educação física.

- Na verdade fui criativa demais para o meu professor. Ele desconsiderou o fato de uma cidade de doces, e habitadas por formigas e baratas.

- Mesmo? Puxa... E você sabia que no caso de outra guerra nuclear são altas as probabilidades de apenas as baratas sobreviverem?

- Mesmo? Puxa... Você vai me ajudar com as tarefas de casa?

- Farei o melhor possível.

- Ótimo. Agora vamos negociar estas regras.

Ela começou a separar as cartas do baralho diante dos dois.

- Vamos logo. Se eu ganhar vou poder beber doses completas de vinho, licor e whisky. – Raquel Maria.

- Nada de whisky pra você. – Carlo Vitor.

- Trimestral?

- Trimestral, mas vou conversar com Paolo sobre isso. E Ângelo não tem autorização de te servir nada. Promete?

- Está bem, Carlo Vitor.

- Agora me diz uma coisa.

- O que?

- Quem te contou o meu nome do meio?

Raquel mexeu no bolso externo da mochila, retirando uma foto envelhecida e maltratada.

- Tem aqui. – Raquel Maria.

- Nossa... Isso é de quando eu terminei o colegial. – Carlo Vitor.

- Mercedes costumava me mostrar essa foto, até que Carlo Miguel morreu. Então ela, apenas me deu a foto.

- Sinto muito pelo seu irmão.

- Ele também era seu filho.

- É, eu sei.

- Ganhei.

- O que?

- O jogo. Quero o meu licor de chocolate e mel agora.

Carlo sorriu e Raquel lhe abraçou pelo pescoço. Algo voltava a ser como antes, para ela.

- Como você ficou esperta, garota! – Carlo Vitor.

- Carlo Vitor, Mercedes foi para o céu? – Raquel Maria.

A mudança de assunto de Raquel foi tão repentina que ele não soube o que responder de imediato.

- Ela... Está sim, está lá no céu. –Carlo Vitor.

- Mercedes disse que não queria ir para o céu quando morresse. Não queria ir para um lugar onde Deus condenasse todo o mundo em troca dela. – Raquel Maria.

- Não foi bem assim. Jesus morreu para salvar o mundo.

- E se ele estivesse vivo o mundo estaria condenado?

- Então talvez Mercedes esteja onde queira.

- Não no inferno, lá seria... Terrível.

- Quem sabe, então, ela esteja no purgatório. Deus pode estar se decidindo.

- Mas se ela se cansar de esperar?

Carlo passou a mão pelos cabelos da filha.

- Querida, Mercedes está bem, onde quer que esteja.

- Mas...

Nenhum comentário:

Postar um comentário